Sou jovem, mas meu espírito é de um senhor de oitenta anos. Cá em casa, desde que tomei consciência da minha existência, usamos objetos antigos, objetos de épocas passadas, objetos esquecidos e quiçá desprezados pelas criaturas orgulhosas em serem modernas. Uma máquina de escrever fabricada nos Estados Unidos no longínquo ano de 1936, que comprei de um simpaticíssimo senhor no alto de Pinheiros, outra, uma mais jovem, dos anos de 1970, adquirida de um grande amigo mecanógrafo remanescente aqui de São Paulo. Uso-as quase diariamente. Fugi à regra dos amigos meus contemporâneos e aprendi a digitar no computador datilografando nessas velhas damas de ferro. Tenho orgulho em ter aprendido assim, adquiri disciplina ao escrever.
Há alguns meses, ganhei do meu avô um objeto que para mim é um tesouro de valor inestimável: seu primeiro aparelho de barbear, um Gillette de aço inox fabricado aqui no Brasil em meados dos anos de 1960. Esse simples instrumento, símbolo do quotidiano masculino, é uma verdadeira obra de arte. Não se fazem mais barbeadores como antigamente. Hoje, na era do descartável, parece que o supérfluo dos objetos ordinários invadiu também a personalidade dos seus donos, transformando-os em indivíduos rasos, mesquinhos e incapazes de uma reflexão mais profunda sobre si mesmos. O cuidado, o esmero que, por exemplo, um aparelho de barbear permanente inspiraria no homem, já não acontece. Os conglomerados do mercado que se alimentam da obsolescência programada forçam uma mudança de perspectiva nos indivíduos que se servem dos seus produtos e serviços: tudo tem que ser fácil, rápido, seguro e barato. Cria-se a ilusão, sobretudo para os habitantes dos grandes centros urbanos, que a vida deve ser igualmente vaga. O impacto psicológico em quem cresce em tal ambiente é a perda do senso de sacrifício, do sentido do esforço e da realidade do cumprimento do dever.