"(...) Os socialistas começaram por expor a teoria deles, que é conhecida: o crime é um protesto contra a anormalidade do sistema social, nada mais. Não admitem, pois, qualquer outra causa.
-- Pois mentiste! -- exclamou Porfiri Pietróvitch. Era visível a sua animação, rindo a cada instante e olhando para Raskólnikov.
-- Não é mentira! Não admitem mesmo qualquer outra causa! A seu ver, 'o indivíduo é vítima do meio', e isso é tudo. Eis sua magnífica frase. Daí se deduz diretamente que, se a sociedade for construída corretamente, todos os crimes vão desaparecer de uma só vez, já que, desse modo, não haveria contra o que protestar, e todos, no mesmo instante, passariam a ser justos. Não se considera a natureza, deixa-se a natureza de fora, não se enxerga a natureza! Para eles não é a humanidade que, desenvolvendo-se historicamente e viva, até o fim, acabará por transformar-se em uma sociedade normal, mas, pelo contrário, é o sistema social que, saindo de uma cabeça matemática, irá estruturar toda a humanidade e, em um abrir e fechar de olhos, torná-la-á justa e pura, mais rápido do que qualquer processo vivo, sem seguir nenhum caminho histórico natural. É por essa razão que eles instintivamente não toleram a história: nela só vêem monstruosidade e estupidez. Toda a culpa recai na estupidez. Também é por essa razão que eles não toleram o processo vivo da vida, e para eles a alma viva não tem lugar. A alma viva tem exigências, não obedece à mecânica, é desconfiada e retrógrada. E ainda que cheire à coisa morta, pode ser feita de borracha... só que então não será vida nem terá vontade, será uma escrava, incapaz de revoltar-se... O fundamental é isso: não ter de pensar. Todo o mistério da vida cabe em duas folhas de papel! (...)."
Dostoiévski em "Crime e Castigo". Tradução de Ivan Petrovitch e Irina Wisnik Ribeiro.
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