sábado, 23 de janeiro de 2021

Falai palavrões!

 


    É necessário, às vezes, ser rude, no sentido mesmo de ríspido, no entanto, essa necessidade quase cotidiana só existe para um tipo especial de pessoa que, mui desgraçadamente, está cada vez mais abundante no mundo: o idiota. O idiota é aquele sujeito cuja energia máxima da existência é empregada unicamente em vislumbrar o seu próprio umbigo, limpá-lo com aqueles protetores auriculares -- que para ele deveriam ser umbigulares -- embebidos em substância higiênica, lustrá-lo, enfiar-lhe o dedo indicador até que a articulação distal desapareça no tecido adiposo do abdomen. Eliminar as crostas negras de sujeira acumuladas nessa icônica região anatômica é, portanto, a única atividade digna de concentrar toda a atenção verdadeira do idiota contumaz. Nenhum pingo de energia para a prática do amor ao próximo, nenhum interesse em fazer o bem para quem quer que seja, nenhum reflexo de atenção verdadeira para com o outro. Nada. Todo o universo está, para o idiota, circunscrito pelos limites anatômicos do seu fabuloso umbigo. "Oh, Umbigo divino! Oh, Umbigo ditoso! Oh, Umbigo perfeito! Tu és o centro de todo o universo! Para Ti convergem todas as massas, Tu as atrai todas para Si e nem aqueles que cavalgam os raios de luz, a 299.792.458 m/s podem escapar-Te a atração. Tu és incomparável, oh, Umbigo deífico!". O idiota, quando medita sobre os mistérios da vida, tem pensamentos desta natureza. 

    Daí que toda sorte de palavras malcriadas, de vocábulos torpes, imorais, vulgares, diabolicamente articulados em explosões de perdigotos, lhe sejam destinadas. É satisfatório. Se é belo e moral também, não me interessa, só sei, nesse momento, que é satisfatório, sumamente satisfatório. É como ter o vigor físico para dominar, sozinho, uma mangueira de bombeiro cujo hidrante é o seu próprio corpo e a substância que lhe sai, descrevendo esguichos magníficos, ser suficiente para lavar, por inteiro, o Maracanã. Não só, mas a Quinta da Boa Vista também. Sim! Você seria capaz de apagar o incêndio que destruiu o palácio de São Cristóvão com a sua extraordinária mangueira! Claro, isso se tivesses a habilidade de manuseá-la com perícia. As conjecturas sobre a natureza da substância esguichada do seu próprio corpo são desnecessárias, pois já temos aqui um quadro demasiadamente burlesco. Imagine que é água, pronto, assim como a água do aqua lateris Christi, embora, como é sabido, qualquer substância viscosa, quiçá branca-amarelada, composta por enzimas, ácido cítrico e até por bichinhos microscópicos, também seja, dependendo da abundância, eficiente para apagar um incêndio -- a chama de uma vela, pelo menos. Só não tão indecente quanto quando o idiota, insatisfeito em movimentar a falange do seu indicador pelas paredes rugosas da estrutura interna do seu umbigo, o leva à língua, com o propósito de dar uma dimensão também palatável ao seu espetáculo picaresco. 

    Ah, idiota, o que faríamos sem você? Será que o mundo seria melhor se algumas pessoas subitamente decidissem parar de se meter na vida alheia? Será que a vida no planeta ou redondeta Terra -- como preferir -- seria melhor se algumas pessoas decidissem estudar antes de dar soberbamente suas opiniões? Será que haveria algum impacto positivo na vida ordinária do cotidiano se alguns bípedes passassem a usar a dupla de orifícios auriculares com maior frequência do que o grande orifício delimitado pela mucosa de tonalidade avermelhada através da qual recebem o alimento diário -- ou semanal, para as pobres vítimas de algum regime comunista por aí? Será? Eu leio a Bíblia, já a li algumas vezes e sempre, sempre a estou relendo. Há um trecho, uma passagem que, sempre que me flagro pensando na fatalidade dos idiotas, me vem à mente: é aquela na qual Nosso Senhor Jesus Christo, enrolando tiras de cordas nas mãos, desfere lambadas ardidas nos lombos dos vendilhões, dos cambistas que estavam fazendo do ambiente sagrado do templo uma verdadeira feira do rolo. O contexto, isto é, as partes que vêm antes e depois do texto aqui citado por mim, está todo lá, você pode conferir lendo o Evangelho segundo São João, capítulo II, a partir do versículo 13. Imaginar o Verbo Encarnado, furioso, esbravejando com um chicote na mão enquanto, a pontapés, virava mesas e, literalmente, chutava o pau da barraca, é maravilhoso! Os vagabundos dos marreteiros eram mesmo uns completos idiotas, porque profanaram o templo ao invés de prestarem culto ao Senhor. Parvos! 

    De que modo um idiota pode ser curado de sua idiotice? A resposta é muito complexa, porque, embasado nas minhas observações, constatei que quanto mais idiota um sujeito é, menos percebe sua idiotice. Ele, portanto, só pode ser salvo através do brilho de um centelha de inteligência que, por milagre, ainda possa bruxulear dentro de si. Um método eficiente para verificar essa possibilidade é, quando pego no flagrante de alguma de suas idiotices, gritar-se-lhe palavrões, de preferência ao pé do ouvido, de modo a provocar um despertamento no infeliz. Um choque de realidade. Agora, se os palavreados não surtirem efeito, você pode fazer como Nosso Senhor, e sentar-lhe a chibata no lombo. Mas, como aqui não quero insinuar atos de violência [física], limite-se mesmo aos justos impropérios. Talvez haja esperança para o ouvinte. Talvez. 

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