quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Por que você escreve?

 


    É fácil encontrar e, como diria minha avó, se aprochegar de quem nutre os mesmos gostos que você. Hoje, com a onipresença da internet na vida cotidiana, estabelecer contato e quiçá amizade com quem partilha das mesmas preferências que você é uma vantagem civilizacional tremenda. Se nós, humildes e ingênuos usuários da rede mundial de computadores, faremos uso deste meio por muito mais tempo, é uma questão que não cabe aqui. Vamos levando a vida dentro dos exatos limites das possibilidades como, aliás, sempre fizemos -- conformados ou a contragosto. Assim, no meu simples cotidiano de estudante autodidata, leitor e acumulador voraz de livros, facilmente descubro novos colegas amantes de literatura. Eles escrevem, mantêm blogs, sites, revistas eletrônicas, redes sociais, etc., no entanto, para meu desgosto -- porque gosto de conservar aquilo que amo --, raramente escrevem bem. Geralmente, esses bibliófilos das internets só estão preocupados mesmo com a exibição das suas estantes apinhadas de livros (nunca lidos) nas redes sociais. Quando falo em escrever bem, quero dizer simplesmente que eles não têm a genuína preocupação em exprimir, da melhor forma possível, suas experiências com a realidade; não sentem o peso da necessidade de dizer, de dar uma forma verbal às suas experiências reais. Para estes, a literatura não passa de um passatempo, uma diversão frugal que exige algum esforço da mente, mas que, no final, não tem valor substantivo para a vida, como o jogo de xadrez. 

    Escrever, como incansavelmente ensinam os grandes mestres, exige não só disciplina, mas coragem também; exige que o escritor não se permita ser dominado pelo arrefecimento do espírito, pela acídia que leva à mediocridade, à superficialidade, à prostituição da consciência, à conformidade com as narrativas ideológicas deste ou daquele grupinho. É curioso notar como as pessoas estão cada vez mais institucionalizadas hoje em dia: para empreender uma investigação, seja no âmbito intelectual, como nas ciências humanas e exatas, seja no âmbito prático, como nas matérias jornalísticas, só tem valor objetivo para o grande público os trabalhos realizados por quem tenha diploma referendado por tal ou qual instituição. O simples esforço individual da inteligência para entender a realidade não vale se não estiver sob as diretrizes de alguma instituição que forneça, mediante o diploma, o crivo através do qual se possa analisar todas as coisas. Pergunta-se: Machado de Assis tinha diploma universitário? William Faulkner gradou-se em qual universidade? Ray Bradbury exibia aos amigos suas fotos usando beca, faixa e capelo? Charles Dickens mantinha uma moldura em cima da lareira ostentando o seu título de Doutor? Lima Barreto fora renomado Bacharel? Quando a sociedade passa a superestimar os títulos, os diplomas, as cartas de comprovação da passagem pelo campus universitário ao invés de reconhecer o real valor do trabalho intelectual genuíno, vocacionado, desinteressado, toma como verdade universal a visão da realidade sepultada pela atmosfera da burocracia institucional. "Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?". As implicações disto são tenebrosas, não? 

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