sábado, 2 de janeiro de 2021

Vulgaris: Ensaio Sobre a Imagem da Mulher.

 

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    A aristocracia romana, para se referir àquilo que lhe parecia ordinário, numa acepção de baixo, sujo, desprezível, habitualmente fazia uma associação com a plebe, com os desafortunados que não pertenciam, para agradar aos ouvidos marxistas, à classe da nobreza. Para a aristocracia pré-cristã de Roma, o vulgos, a multidão, não detinha os dotes de inteligência e de cultura necessários para comungar, num ritual orgíaco pagão, do cálice do prestígio social da alta classe. Esse estado de "vulgaridade" natural da plebe, se transformou na fonte psicológica que infundiu na linguagem dos povos vassalos de Roma uma multiplicidade de vocábulos para designar aquilo que é trivial, insignificante, fraco de feição, que, sob todos os aspectos, definitivamente não pertence à nobreza. 

    O vulgar, portanto, é, por definição, desprezível. Contudo, os séculos que precederam ao domínio latino na Europa viram surgir novas e estranhas modalidades de pensamento, novas e estranhas perspectivas da realidade; viram a decadência da primazia da objetividade pelo jogo subjetivo das palavras sem referentes na realidade. Dois milênios se passaram desde que o patricius, olhando com despeito a meretrix de "má-fé", aconselhou o seu filho a ter cuidado com o envolvimento com as mulheres do vulgos, e os perfis femininos das redes sociais. Estes exibem, para a confusão do mundo, o orgulho da sua vulgaridade. Não tenho a intenção de forçar uma afetação do crivo moral alheio, só quero registrar minhas observações do comportamento humano. Hoje, as mulheres aparentam se orgulhar da sua vulgaridade, mas, claro, é só aparência, porque, no fundo de suas consciências, o que elas sentem mesmo é o vazio da incerteza e a agitação da dúvida. 

    A queda da percepção da realidade implicada, em primeiro lugar, pela degeneração da linguagem, resultou em consequências terríveis para a vida do indivíduo. Com o edifício dos valores morais da religião reduzido a um simulacro de comportamento politicamente correto regido pelas diretrizes do Estado Moderno através dos seus instrumentos de mídia e de cultura, exemplos de eficiência no controle das massas, o que antes era condenável passou a ser amplamente louvado. Tudo sob a ilusão da luta pela liberdade. Liberdade esta, que, em primeiro lugar, apregoa a autonomia do indivíduo do "jugo" da sua religião, vocifera o imperativo da sua emancipação de toda e qualquer ética que não seja a do Estado. É evidente que esse estado de coisas produz indivíduos depressivos, doentes espiritual e psicologicamente, porque os força a assumir que não passam de meros objetos, números nas planilhas dos agentes sociais. Afinal, para que precisamos das promessas do Céu, da Eternidade, se temos paz, segurança e conforto proporcionados pelo Estado Moderno. Para que a vida eterna se temos convênio médico "gratuito"?  

    Observando os perfis femininos nas redes sociais é notório que um grande número deles é vulgar. Mas, "vulgar" em que sentido, sob qual acepção? Considero absolutamente importante esclarecer esse ponto, porque, como dito, a assimilação da realidade através da linguagem está comprometida com os mandos e desmandos ideológicos, não deste ou daquele "governo" em específico, mas de toda a estrutura do Estado Moderno. "Vulgar", no sentido mesmo de banal, ordinário, descartável, trivial, chulo, baixo, grosseiro, indigno, obsceno. Estes são alguns dos sinônimos do termo que se aplicam perfeitamente às imagens femininas das redes. A tragédia dessa realidade ganha contornos tenebrosos quando percebemos que o que perturba os ouvidos da vítima da acusação não é a palavra em si ou a imagem invocada em sua mente ou o referencial na realidade, mas a negação veemente do fato sob a justificativa de que ele simplesmente não tem importância. 

    Rebaixar o próprio corpo ao status de objeto é afirmar a narrativa do establishment anticristão e desumano. A realidade é muito mais abrangente do que os seus recortes grosseiros feitos pelas "Ciências" universitárias. O mensurável constitui senão uma parcela infinitesimal de tudo o que existe e esta percepção, a da transcendência, está presente na natureza ontológica do indivíduo humano. O homem tem em sua natureza algo que o remete à Eternidade e esse "algo" é a raiz, não só da sua religião, mas como também da ordenação da sua vida em sociedade, dos seus critérios para seguir esta ou aquela política, para se expressar desta ou daquela forma através da sua cultura. A origem da cosmovisão do homem é, portanto, transcendente. 

    De que modo isso implica no comportamento humano no âmbito da vulgaridade exibicionista? Ora, a percepção altamente equivocada de que a vulgaridade é irrelevante é só uma das consequências do relativismo moral apregoado e defendido, a todo custo, pelo Estado Moderno através, principalmente, da linguagem da mídia. Os parâmetros morais do Ocidente respaldados na sua religião caíram no exato momento em que novos parâmetros, numa síntese confusa de Hegel, Kant e Marx, foram estabelecidos. A tecnocracia do Estado Moderno, usando de meios cada vez mais sofisticados, tratou logo de liquidar a cosmovisão transcendente do homem, impondo-lhe que assumisse a realidade tal qual descrita pelo conjunto caricaturesco das "Ciências" existentes. Daí a importância da perda da fé religiosa para o Estado Moderno. 

    Ligeiro corro os olhos pelos perfis das moças na rede social, só me detendo ao encontrar um rosto mais belo ou um conjunto de curvas melhor delineadas, bem proporcionadas, sinal claro de que, como diria minha amiga Inês de Viana do Castelo, se a gaja não é lá essas coisas, pelo menos é boa fotógrafa, sabendo manejar habilmente as ferramentas de edição. Há inúmeras mulheres assim por lá. Depois de tanto ver, começo a sentir uma pontinha de tristeza e, quiçá, de compaixão. O corpo da mulher sempre me pareceu uma coisa sagrada, uma coisa que inspira cuidados especiais, que, mais do que mera admiração estética, inspira admiração e respeito pela possibilidade da vida. Por que se exibir assim? Qual o sentido, o propósito disso? Atrair a atenção dos homens? É provável que isso funcione, mas atrair a atenção para o quê? Será que não há nada na mulher além do seu corpo? É claro que há, mas séculos de manipulação da percepção da realidade pelo sistema do mundo anestesiou os corações e as mentes dos indivíduos. O outro só existe para satisfazer as carências sensoriais, os ímpetos dos sentidos mais baixos da fisiologia humana. Nada de laços de consciência mais profundos no nosso admirável mundo novo

    Contudo, permanece viva nas consciências a imagem da mãe, da doadora da vida, do meio gracioso através do qual tomamos nosso lugar na esfera da existência. E o símbolo máximo da perfeição da maternidade é aquela que é, a um só tempo, mãe e virgem. Esse mistério cristão é fortaleza para as mulheres de todas as épocas e lugares, é a inspiração para a manutenção da virtude. No entanto, as moças encontram na Virgem Maria a representação máxima do objeto síntese do ódio do Mvndo Moderno: a mulher que é mãe e é virgem. Daí a rebelião contra um e outro aspecto da natureza feminina; daí o louvor ao comportamento vulgar, ao ímpeto de revelar aquilo que deveria ser conservado sob um véu. 

* Messalina, 1880, óleo sobre tela de Henrique Bernardelli, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. 

2 comentários:

  1. Perfeito, edificante. A Virgem Maria é o maior de todos os exemplos para a mulher.

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    1. Obrigado, querida Areli. Que a Virgem Santíssima rogue por nós.

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