quinta-feira, 15 de julho de 2021

Índias peladas e marujos afoitos?

 



    Mordido por uma curiosidade irresistível decidi, depois de só indiretamente conhecer o seu conteúdo durante as aulas do ensino fundamental, ler a Carta de Pero Vaz de Caminha. Surpreendi-me tocado, emocionado com a narrativa. Para mim, enquanto leitor, Caminha apresentou-se muito diferente daquele fidalgo arrogante e malicioso cuja imagem deve-se à sanha brega dos justiceiros sociais. Coisa brega. Coisa ridícula. O leitor que se contenta somente com a leitura indireta, com a experiência secundária da realidade, jamais terá acesso a todas as possibilidades de percepção que a sua própria experiência oferece. 

    Eu sou católico, sei o que é necessário para comungar, para participar da partilha do Corpo de Christo na missa. Durante a curta estadia daquele primeiro grupo de heróis portugueses na Terra de Vera Cruz, segundo Caminha, celebrou-se missa; era tempo de Páscoa. No Dia do Senhor de 26 de abril de 1500, Frei Henrique de Coimbra, com "voz entoada", cumpriu o rito latino e, depois da celebração, "desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho (...)". Caminha conta que, terminada a exposição sobre o Evangelho, Frei Henrique falou sobre a viagem, sobre o propósito primeiro desta expedição que levara homens piedosos para tão longe de casa. 

    Sim, piedosos. É verdade que a quase totalidade dos discursos proferidos na mídia, nas universidades, pelas classes "artísticas" e formadoras de opinião, não admite que uma coisa denominada pelos católicos de "estado de graça" exista. É puro fanatismo religioso que deveria ter sido extirpado da face da Terra quando da Revolução que, aliás, fora celebrada ontem, 14 de julho. A narrativa de Caminha fala de esperança. Plenamente consciente da missão que o imperativo "ide e pregai o Evangelho a todas as criaturas" implica, o nosso primeiro escritor legou, nesta sua pequena obra de sete páginas endereçada a El-Rei Dom Manuel, a imagem do Brasil tal qual idealizado pela própria Vontade Divina

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